Cristaldo é o meu cronista favorito, leio todos os dias o seu blog. Ontem quando me encontrava indignada com a miserável condição humana, me lembrei das Viagens de Gulliver e em especial de Lapúta a ilha flutuante que suga o continente. Deixei a febre passar, o balsamo foi a leitura de suas antigas crônicas.
Terça-feira, Fevereiro 19, 2008
INTERPRETAÇÕES SEGUNDO
OS ACADÊMICOS DE LAGADO
Quem me acompanha, sabe que um de meus livros de cabeceira é As Viagens de Gulliver, de Swift. Pois bem, em sua visita à Academia de Lagado, o capitão Lemuel Gulliver toma ciência de curiosos métodos de interpretação.
"Um outro acadêmico mostrou-me um escrito contendo um curioso método para descobrir as conspirações e as intrigas, que era examinar os alimentos dos indivíduos suspeitos, a ocasião em que os comem, o lado para o qual se deitam na cama e a mão com que limpam o traseiro; observar-lhes os excrementos e ajuizar, pelo cheiro e pela cor, dos pensamentos e dos projetos de um homem, tanto mais que, na sua opinião, os pensamentos não são nunca mais ponderados, nem o espírito se encontra tão recolhido, como quando se está no retrete. Ajuntava que, quando, para fazer simplesmente experiências, havia algumas vezes pensado no assassínio de um homem, tinha então encontrado os seus excrementos muito amarelos e que, quando pensava em revoltar-se e incendiar a capital, achara-os de uma cor muito negra.
"Arrisquei-me a acrescentar algumas palavras ao sistema desse político; disse-lhe que seria bom manter sempre um núcleo de espiões e delatores que se protegeriam e aos quais se daria sempre uma certa importância em dinheiro proporcional ao valor da sua denúncia, quer fundada, quer não; que, por esse meio, os súditos viveriam no receio e no respeito; que esses delatores e acusadores seriam autorizados a dar o sentido que lhes aprouvesse aos escritos que lhes caíssem nas mãos; que poderiam, por exemplo, interpretar assim os termos seguintes:
"Uma peneira: uma alta dama da corte.
Um cão coxo: uma descida, uma invasão.
A peste: m exército em pé de guerra.
Um bolônio: um favorito.
A gota: um grão-sacerdote.
Um pinico: uma assembléia.
Uma vassoura: uma revolução.
Uma ratoeira: um emprego financeiro.
Um esgoto: a corte.
Um chapéu e um cinto: uma amante.
Uma cana partida: o tribunal.
Um tonel vazio: um general.
Uma chaga aberta: o estado dos negócios públicos.
"Poder-se-ia ainda observar o anagrama de todos os nomes citados num escrito; para isso, porém, eram necessários homens da mais elevada penetração e do gênio mais sublime, principalmente quando se tratasse de descobrir o sentido político e misterioso das letras iniciais. Assim: N poderia significar uma conspiração; B um regimento de cavalaria; L uma esquadra. Além disso, transpondo-se as letras, poder-se-ia descobrir num escrito todos os ocultos desejos de um partido descontente. Por exemplo: lê-se numa carta escrita a um amigo: Seu irmão Tomás sofre de hemorróidas; o hábil decifrador desvendará, na assimilação destas palavras indiferentes, uma frase que fará compreender que está tudo preparado para uma sedição".
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