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sábado, 7 de maio de 2011

Balada da Arquivista - Vinícius de Moraes

Balada das Arquivistas

Oh jovens anjos cativos

Que as asas vos machucais

Nos armários dos arquivos!

Delicadas funcionárias

Designadas por padrões

Prisioneiras honorárias

Da mais fria das prisões

É triste ver-vos, suaves

Entre monstros impassíveis

Trancadas a sete chaves:

Oh, puras e inacessíveis!

Dizer que vós, bem-amadas

Conservai-vos impolutas

Mesmo fazendo a juntada

De processos e minutas!

Não se amargam vossas bocas

De índices e prefixos

Nem lembram os olhos das loucas

Vossos doces olhos fixos.

Curvai-vos para colossos

Hollerith, de aço hostil

Como se fora ante moços

Numa pavana gentil.

Antes não classificásseis

Os maços pelos assuntos

Criando a luta de classes

Num mundo de anseios juntos!

Enfermeiras de ambições

Conheceis, mudas, a nu

O lixo das promoções

E das exonerações

A bem do serviço público.

Ó Florences Nightingale

De arquivos horizontais:

Com que zelo alimentais

Esses eunucos letais

Que se abrem com chave yale!

Vossa linda juventude

Clama de vós, bem-amadas!

No entanto, viveis cercadas

De coisas padronizadas

Sem sexo e sem saúde...

Ah, ver-vos em primavera

Sobre papéis de ocasião

Na melancólica espera

De uma eterna certidão!

Ah, saber que em vós existe

O amor, a ternura, a prece

E saber que isso fenece

Num arquivo feio e triste!

Deixai-me carpir, crianças

A vossa imensa desdita

Prendestes as esperanças

Numa gaiola maldita.

Do fundo do meu silêncio

Eu vos incito a lutardes

Contra o Prefixo que vence

Os anjos acorrentados

E ir passear pelas tardes

De braço com os namorados.


in Antologia Poética
in Poesia completa e prosa: "O encontro do cotidiano"

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